Como é comida bósnia?

Uma das maravilhas de morar em uma cidade cosmopolita como São Paulo é poder experimentar pratos de qualquer lugar do mundo, qualquer mesmo, inclusive da Bósnia.

A Bósnia e Herzegovina é um pequeno país europeu, com cerca de 4 milhões de habitantes, resultado do desmembramento da antiga Iuguslávia.  A desintegração gerou inúmeros conflitos e foi na época da Guerra da Bósnia que Aleksandar veio ao Brasil.

Essa experiência gastronômica tive no Tchevap, chefiado pelo bósnio Aleksandar Jokanovic, cuja pronúncia é mais ou menos “iokanovitch”. Ele se considera um cidadão do mundo. Antes de vir ao Brasil morou na Alemanha e na Suíça, onde conheceu uma brasileira. Hoje ele tem uma filha de 23 anos com uma brasileira e um de 8 com uma peruana, um ambiente super cosmopolita que reflete a alma de Aleksandar. Apesar de ser jornalista, o gosto pela gastronomia falou mais alto para este cozinheiro que lida com as penelas desde os 7 anos.

Aleksandar me recebeu no horário de almoço de uma segunda-feira, cerca de uma semana após se mudar para o novo endereço, em Pinheiros, pertinho da estação de metrô Faria Lima. Antes ele tinha um foodtruck na Rua Augusta.

Tchevap, além de ser o nome do restaurante, é como se chama o prato que experimentei que, segundo Aleksandar, é o que há de mais típico de lá.

Apesar do Tchevap estar no menu da noite – durante o dia ele serve um buffet de comida brasileira com um toque bósnio,- Aleksandar gentilmente preparou um para mim. São rolinhos de carne bovina e de cordeiro moídas e preparadas em pedras vulcânicas, o que dá um gostinho de churrasco. O cordeiro é um dos ingredientes característicos daquela região. A carne fica marinando por mais de um dia. Estes rolinhos vão dentro de um pão estilo pita, aquele branquinho que se parte ao meio, chamado na Bósnia de Somun. Ao redor do pão há sementes de Dill (também chamado de Endro ou Aneto). Para finalizar, ele passa tutano bovino no pão. Como acompanhamento vem um molhinho vermelho, chamado Aivar, que é pesto de pimentão vermelho e berinjela, e o Kopar, feito de iogurte e ervas, entre elas, folhas de Dill. Ainda vêm umas batatinhas fritas com um tempero diferente, cheio de especiarias.

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Não preciso dizer que achei delicioso. Os sabores são intensos, mas não apimentados. Cada mordida é saborosa, nada ali é sem graça. Como já viajei para a Turquia, na hora comentei que se parecia com a comida turca e, de fato, Aleksandar explicou que a gastronomia dos balcãs tem muitas influências turcas, afinal, o território esteve sob o Império Otomano por séculos.

Aleksandar explicou que tchevap é uma comida do dia a dia, que se come em qualquer horário, ou seja, se estiver na Bósnia, na dúvida, coma um. ” Posso comer tchevap em qualquer hora. Tchevap é nostalgia, cada vez que eu como eu me lembro da infância, de todas as brincadeiras, tínhamos o hábito de ir a um distrito de Sarajevo para comer este lanche. Cada vez que faço me remete àquela época”, lembra Aleksandar.

 

Raio Gurmetizador

Aqui ele precisou dar uma gurmetizada, pois o original se resume a pão, carne e muita cebola crua. Outra adaptação necessária foi a criação de um tchevap vegetariano, em que a carne é substituída por rolinhos de vegetais, como lentilha. Não cheguei a provar porque, sinceramente, preferi conhecer o sabor legítimo da Bósnia,  Aleksandar explicou que essa versão nem existe em seu país. “Criei porque aqui tem muita demanda, mas lá esse movimento vegetariano ainda não chegou. Nem posso apresentar essa receita na Bósnia porque vão me crucificar”, brinca.

Perguntei se o tchevap seria a comida de rua mais comum por lá, foi quando ele explicou que não existe comida de rua em seu país, o que há são espécies de botequinhos que vendem este lanche. Assim como não há uma receita fixa, já que por ser bem popular, cada pessoa tem seu toque. No entanto, Aleksandar garante que a sua é fiel às origens, “muitas pessoas daquela região já vieram comer aqui e disseram que o que faço é igual e até melhor que o de lá”.

 

Tchevap no Brasil

Segundo Aleksandar, o brasileiro é muito curioso e aventureiro em termos de gastronomia, mas não se apega a um tipo de comida em especial. Por isso a necessidade de um buffet mais brasileiro no horário de almoço, com arroz e feijão. “O brasileiro já tem no seu DNA  arroz, feijão e farofa”. Entretanto, ele pretende ampliar o cardápio e trazer outros pratos típicos e, inclusive, sobremesas. Estamos de olho!

 

Gatronomia Bósnia 

De acordo com ele, a principal característica da gastronomia bósnia são as sopas e molhos, até pelo frio. “Raramente comemos uma comida seca. Já aqui, no Brasil, a comida costuma ser seca”, explica. Os sabores também são intensos, com muitas ervas e aromas, mas não necessariamente apimentada.

Ouça a versão para rádio desta matéria e fique ainda mais no clima bósnio com uma trilha bem típica.

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Onde encontrei Comfort Food no Rio

Este texto escrevi em março de 2017. Despejei ali tudo o que deu vontade de escrever após comer, sem saber, em um restaurante histórico do Rio de Janeiro. Como acho que tem tudo a ver com o Entre Cozinhas e Histórias, replico aqui.

Verdadeira Comfort Food no centro do Rio de Janeiro

Andávamos, meu namorado e eu, pelo centro do Rio de Janeiro, em plena segunda-feira, para resolver assuntos e eu ainda tinha que trabalhar. Passamos em frente ao restaurante Leiteria Mineira, próximo ao metrô da Carioca (isso não é um texto pago). Passei na frente dele muitas vezes em meus quase 3 anos de Rio de Janeiro e sempre me chamou a atenção a fachada e o jeito antigo dele, um restaurante que preserva uma decoração que em outros estabelecimentos já foi substituída há décadas, os que ainda existirem. Um local enorme que sobrevive em meio à crise.

Decidimos entrar. Garçons com uniforme preto e branco, estilo bem formal, nos receberam com educação e simpatia. O salão é tão grande que uma parte foi desativada. Havia poucas mesas ocupadas. Mesas de madeira, cadeiras acolchoadas, um ambiente que me remeteu a épocas que nunca vivi, décadas atrás, antes mesmo de eu nascer. Tive uma espécie de Kaukokaipuu, palavra finlandesa que significa um sentimento de saudade e de pertencimento a um lugar onde nunca se esteve, no meu caso, um tempo.

Foram entregues os cardápios, lá é tudo à la carte. Começamos a ler e vimos pratos simples, sem frescura. Carne seca com abóbora, ensopado de camarão com chuchu, escalope com purê de batatas. Sobremesas como salada de frutas ou bolas de sorvete. Simples, brasileiro, comida boa, sem frescura. Restaurante de raiz.

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Foto do site da Leiteria Mineira. Esse creme de espinafre é joia.

Pedi um um filé de peixe à dorê com banana frita e creme de espinafre de acompanhamento. Meu namorado, uma chuleta com farofa, arroz, fritas, molho à campanha. Ainda pedimos uma porção de salada mista. Os pratos chegaram e eram muito bem servidos. Como quando sua mãe enche seu prato e te diz para comer. A batata frita não era congelada, parecia ser descascada e cortada por eles. Era muito saborosa. O meu prato estava ótimo. O do meu namorado também. A sobremesa foi um pudim de leite igualmente bom, com uma calda de ameixa seca. Não era um tempero exótico ou uma incrível explosão de sabores, era apenas uma comida boa, bem feita. Me senti comendo a comida da minha vó e na época em que minha mãe tinha minha idade. Dei a primeira garfada e exclamei: acho que isso é uma comfort food, a verdadeira. E o melhor: a intenção, provavelmente, nem era essa. Nem sei se o cozinheiro, ou cozinheira, conhece esse termo.

Após o almoço perguntei ao garçom há quantos anos existe o restaurante. Ele disse que há mais de 100 anos. Ainda nos indicou uma foto na parede do início do século passado, tive a sensação de que o lugar pouco mudou. O funcionário ainda contou que trabalha ali há 30 anos, algo condizente com a atmosfera do local, que parece ter se preservado após tanto tempo. E seus clientes parecem ter acompanhado a passagem dos anos. Nas mesas, senhores de idade vestindo terno, talvez atarefados advogados, contadores ou funcionários públicos que há 30 ou 40 anos almoçam ali. Muitos aparentavam ser clientes antigos, já conhecidos. Tudo foi envelhecendo junto: fregueses, funcionários, o estabelecimento e o cardápio. Mas não é um envelhecimento no sentido pejorativo da palavra, é de forma poética, bela. É um oásis no tempo. A formalidade ainda preservada marca uma época em que de fato as formalidades faziam parte do cotidiano, embora não seja um restaurante fino. Havia, inclusive, descanso para os copos. Olhei ao redor e funcionários e comensais eram todos homens, reflexos de uma época em que mulheres nem sempre frequentavam espaços públicos. A exceção era eu e uma senhora em outra mesa, acompanhada de alguém que parecia ser seu marido, ambos com uns 60 anos ou mais.

A conta não foi barata, nem cara, um preço justo para um restaurante à la carte que tenta sobreviver em meio às mudanças dos tempos. Soube que servem chá da tarde, com direito a mingau e torradas. Quem hoje tem tempo para isso? Eu quero ter.

 

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