Novos cafés e rumos: a nova geração cafeeira do Brasil

Cooperativas ajudam pequenos agricultores familiares a produzirem cafés de alta qualidade que têm projetado o Brasil no mercado internacional.

Aos 12 anos, Ronaldo Reis Madeira plantou a primeira lavourinha de café. Usou a terra não para brincar, mas para torná-la sua profissão. Hoje, aos 36, Ronaldo afirma que não sabe fazer outra coisa e que o café é mais que seu ganha-pão, é paixão. Ele não tem estudos formais na área, mas o café de sua propriedade é um dos melhores do mundo. É pelo modelo de agricultura familiar, no Sítio Mandioca, em Nova Resende, Minas Gerais, que produz os grãos premiados. Aprendeu na labuta diária e com o apoio da Cooperativa de produtores de café Cooxupé (Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé Ltda), da qual é cooperado.

Durante o processo, tudo pode dar errado: no cultivo do pé, na colheita e na pós colheita, tudo influencia. “Quando a gente faz com amor, é diferente”, justifica. No desenvolvimento das plantas, as quantidades de água, sol e calor devem ser balanceadas. Ao colher, o fruto tem que estar maduro: nem passado, nem verde, mas no ponto correto. Na pós-colheita, é fundamental cuidar com a umidade para que não haja fungos. Uma série de detalhes que fazem a diferença entre um café comum e um café especial. O de Ronaldo, é especial.

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Da esquerda para a direita, Ronaldo é o segundo, de camisa bordô.

O título é dado pela Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA, sigla em inglês), que leva em consideração uma análise criteriosa de fragrância, uniformidade, ausência de defeitos, sabor, corpo, finalização e harmonia, baseada em referências internacionais. Para ser considerado um café especial, cada amostra deve atingir pelo menos 80 pontos na escala de avaliação sensorial da Specialty Coffee Association (SCA), que vai até 100. A produção do sítio Mandioca alcançou 88,32 pontos na Cup Of Excellence- Brazil 2018, considerada a Copa do Mundo dos Cafés especiais por sua importância no meio.

O produto de Ronaldo Madeira recebeu certificação internacional ao ficar entre os 20 melhores do concurso, cuja nota mínima para participar é 86,00. Chegar ao Cup Of Exellence já é uma vitória. “O fato de ficar entre os 20 melhores faz com que a renda melhore e nos dá muito orgulho, não há dinheiro que pague”, comemora o agricultor. O evento aconteceu em Guaxupé, interior de Minas Gerais, em outubro deste ano. A avaliação ficou por conta de 29 juízes especialistas de vários países, como Estados Unidos, Japão, China, Bulgária, Rússia, Austrália, Índia e Alemanha. Mais de mil amostras foram inscritas, mas apenas 40 foram consideradas aptas a participar.

Ronaldo é o retrato da nova geração do café brasileiro: propriedades de todos os tamanhos que vêm se dedicando a um mercado crescente, cuja demanda é qualidade, não quantidade. Tudo isso é novidade para o agricultor. Apesar de trabalhar com a cafeicultura por mais da metade de sua vida, a produção dos grãos de alta qualidade começou há menos de cinco anos, fruto de um trabalho de formiguinha de cooperativas como a Cooxupé. “Eles nos dão cursos, palestras, enviam engenheiros agrônomos para as nossas propriedades, a Cooxupé é parceira mesmo, está sempre incentivando a produção de um café de melhor qualidade”, afirma Ronaldo.

A cooperativa conta com mais de 14 mil cooperados, sendo 95% deles pequenos produtores que vivem da agricultura familiar. A organização oferece, além de capacitação, estrutura para torrefação, laboratórios, geoprocessamento, entre outras ações. No site da cooperativa há uma loja online que vende pacotes de cafés premium produzidos pelos cooperados. O trabalho direto com pequenos agricultores é voltado para agregar valor ao produto, o que ajuda no desenvolvimento regional. Se hoje a saca do café comum custa em média R$ 450,00, a do café especial pode custar até 20 vezes mais. Produção que tem demanda crescente.

Pesquisa encomendada pela Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA) projetou crescimento de 19% deste mercado interno para 2018. A estimativa é de que até o fim deste ano sejam vendidas 705 mil sacas, resultado 23% maior que o de 2017. Os dados foram obtidos pela consultoria Euromonitor, que mostraram crescimento do consumo  nos últimos anos. Em 2016 foram vendidas 490 mil sacas, 25% a mais que no ano anterior. A Associação Brasileira da Indústria do Café (ABIC) também avalia positivamente este mercado. A entidade classifica o momento atual como a 3ª Onda do café, com novas formas de consumo, demanda, criação de cafeterias especiais e clubes de assinatura.

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Minas Gerais concentra a maioria dos produtores de café.

Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o Brasil é o maior exportador de café do mundo e o segundo maior consumidor da bebida. Este é o 5º produto mais exportado pelo país. No ano passado foi responsável por uma receita de US$ 5,2 bilhões. São 300 mil produtores, a maioria em Minas Gerais e São Paulo, sendo o estado mineiro o que concentra a maior quantidade. Os cafés especiais correspondem a 16,2% da safra total. Número que tende a crescer. Hoje a quantidade não é mais o principal foco, o Brasil tem se tornado referência nos grãos especiais. De acordo com a Diretora Executiva da Associação Brasileira de Cafés Especiais, Vanusia Nogueira, até 20 anos atrás, o foco era apenas a quantidade. “Começamos a falar em cafés especiais no Brasil em 1991, com a criação da BSCA, graças a pioneiros, como a Cooxupé, que se mobilizaram para que o Brasil fosse reconhecido e ganhasse mais espaço nos mercados internacionais como produtor de alta qualidade”, explica. De acordo com Vanusia, se antes estávamos atrás de países como a Colômbia, que se antecipou neste movimento, hoje já somos protagonistas.

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Os cafés selecionados foram avaliados por juízes de vários países no concurso Cup of Excellence.

Das mãos de gente como Ronaldo, os grãos passam por cooperativas e chegam até as estantes de mercados e cafeterias de países como Japão e Estados Unidos, com consumidores ávidos e exigentes. Segundo o diretor executivo da ACE – Alliance For Coffee Excellence (Aliança pelo Café de Excelência, em tradução livre), sediada nos Estados Unidos, Darrin Daniel, atualmente a produção nacional tem prestígio. “Os cafés do Brasil têm sabores ricos e complexos, os brasileiros lançam tendências mundiais atualmente”, elogia. Danny Peng, de Singapura, foi um dos jurados do Cup Of Excellence, além de ser um coffee lover em seu cotidiano. O asiático não poupou elogios ao que lhe foi apresentado neste concurso. “Os cafés que provei aqui são ‘uau’, incríveis mesmo! Os sabores puxam para manga, melancia, morango, são muito ricos”, vibra.

Entre os jornalistas brasileiros e estrangeiros que cobriram o evento, era unânime a expressão de aprovação ao degustar cada xícara. “Sabemos que por trás de cada amostra tem uma vida, uma família”, define a jurada Alda Maria Cruz, de Aracaju, Sergipe. Vidas e famílias como as dos vários Ronaldos que ajudam a projetar o Brasil.

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