Pizzaiolo cego é sucesso na cozinha

Júnior Lopes inspirou inclusive o ator Edson Celulari a compor seu personagem para um filme.

A comida e o ato de cozinhar envolvem aromas, sabores e texturas, a visão não é tão importante quanto imaginamos. Digo isso porque tive o prazer de entrevistar o Ocacyr Lopes Júnior, ou apenas Júnior Lopes. Ele é cego e é conhecido por conquistar vários paladares com os seus pratos, com destaque para as pizzas. O cozinheiro mora em Brasília e perdeu a visão aos 23 anos em um acidente de carro. Na tentativa de voltar a enxergar, foram muitas idas e vindas dos 23 aos 38 anos. Ele passou por 35 cirurgias, sendo 12 delas transplantes córnea. Entretanto, não houve êxito e aos 38 anos ficou definitivamente cego devido à negligência médica e a uma infecção hospitalar.

Enquanto muitos encarariam a situação como um fim, para ele, foi uma nova forma de viver, “quando perdi totalmente a visão, decidi ir a uma escola especializada aprender braile e fazer um curso de movimentação e mobilidade, queria ser independente”, lembra Júnior Lopes. Hoje, aos 58 anos, o cozinheiro gosta ainda mais de mostrar seu talento. “Eu já cozinhava, fazia frangos recheados e vários outros pratos, apenas aprendi a me adaptar, faço comida japonesa, árabe, tudo, não apenas pizza”, conta.

Pizzaiolo deficiente visual inspira personagem do ator Edson Cel
Foto: Igor Estrela

Ele entendeu que não precisaria abandonar esta paixão ao fazer um curso de pizzaiolo com o Chef Dudu Camargo, voltado para pessoas com deficiência. Entre tantas habilidades, o brasiliense acabou enveredando para o lado das pizzas, que passou a vender sob encomenda, apesar de receber convites de trabalho em pizzarias. Ele faz a massa e o molho de forma artesanal. 

A fama cresceu ao ajudar o ator Edson Celulari a compor o personagem que interpretou no filme Teu Mundo Não Cabe nos Meus Olhos, do cineasta gaúcho Paulo Nascimento. Na história, Edson Celulari é o protagonista, um pizzaiolo cego. “Uma amiga minha do Rio de Janeiro falou em mim para o Edson Celulari e na hora ele quis vir para Brasília, ficou surpreso que havia um pizzaiolo cego na vida real, era o que precisava”, conta Ocacyr.

O ator fez uma oficina com Júnior Lopes e Dudu Camargo. “Ele me disse que tudo o que aprendeu para o personagem foi comigo”, revela Lopes. Na época, o brasiliense não estava fazendo mais pizzas, mas depois da experiência, retomou seu lado pizzaiolo. O seu próximo projeto é abrir um restaurante inclusivo, que contrate pessoas com todos os tipos de deficiência, mas são planos futuros.

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Foto: Arquivo Pessoal

E como ele faz para cozinhar? “Claro que para quem enxerga é mais fácil, mas é algo intuitivo, no cortar já sei que os pedaços estão de tamanho adequado”, explica. O cozinheiro usa todos os seus sentidos: ouve o queijo borbulhar para saber que a pizza está pronta, ao fazer outros pratos se guia pelo cheiro e pelo toque, além de ir provando e prestar atenção à temperatura. “Um cego se acidentar na cozinha é bem mais difícil do que se imagina, pois tomamos todos os cuidados e fazemos tudo com muita calma e atenção”, afirma. Júnior Lopes é a prova que a deficiência está em quem julga estas pessoas.

Você pode ouvir a versão de rádio desta matéria neste link!

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Jovem vende amor em forma de bolacha em SP

Amor em forma de açúcar, manteiga e farinha. Esta é a receita de sucesso do Matheus Gabrielli.

21 de setembro, na quinta-feira da semana passada, foi o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência. Decidi ir atrás de histórias inspiradoras relacionadas à gastronomia e, para minha alegria, encontrei muitas. Apesar de publicar aqui no blog uma semana depois da data, acredito que continua valendo, afinal, inclusão é um tema para ser abordado todos os dias.

A versão de rádio foi ao ar no dia 21/09 pela Agência Radioweb e você pode ouvir aqui.

Eu conheci o Matheus Gabrielli, um jovem de 25 anos que, como tantos outros brasileiros, decidiu empreender após perder o emprego. Até aí nada novo, muitos fazem o mesmo, no entanto, ele tem Síndrome de Down, o que seria um obstáculo aos olhos de muita gente, exceto para ele e sua família. Ele vende biscoitos amanteigados e faz sucesso, a receita é da família. A mãe, Sandra Gabrielli, conta que a ideia surgiu por acaso, há cerca de um ano, em um momento de tristeza do rapaz. “Ele estava triste porque perdeu o emprego na empresa onde trabalhava. Eu disse que ele poderia trabalhar de outras formas, por exemplo, vendendo estas bolachas para seus amigos, na hora o Matheus se empolgou”. Sandra compartilhou no Facebook e os amigos começaram a comprar. Chegou o momento em que decidiram dar mais um passo: ela publicou em um grupo no Facebook, chamado Rede Dots, onde pessoas divulgam seus trabalhos e ideias. Segundo Sandra, o sucesso foi rápido. “Em pouco tempo eram mais de 600 comentários de interessados”, lembra.

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Eles fazem as entregas nas catracas de metrô de São Paulo por toda a cidade. Inclusive, no dia em que liguei para fazer esta entrevista, eles tinham acabado de voltar de uma entrega. Para o cozinheiro, é importante conhecer o seu público. “Eu que entrego e gosto muito”, afirma o rapaz. Hoje, em função da demanda, foi necessário criar uma agenda. A entregas ocorrem todas as quintas-feiras, fora isso, é possível encontrá-lo aos sábados vendendo seus amanteigados no Café Chefs Especiais, na Rua Augusta, capital paulista, onde o empreendedor é visto conversando e interagindo com o público animadamente. “Ele precisa de tempo para preparar a massa e para suas outras atividades, o Matheus é fotógrafo, faz teatro e dança zumba”, explica a mãe.

Mais do que uma forma de ganhar o próprio dinheiro, a cozinha foi um meio de resgatar a auto estima e a independência. Matheus despertou para a gastronomia graças ao Instituto Chefs Especiais, local que frequenta há oito anos. Hoje, ele é apaixonado pelas panelas e produz sozinho seus biscoitos. “Ele que faz, mas outras receitas mais complexas preparamos juntos, ele adora cozinhar”, conta Sandra.

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Bolacha sabor baunilha, deliciosa!

No dia em que liguei, o jovem estava justamente testando o vídeo game que havia acabado de comprar com o próprio dinheiro. Ele guarda seus lucros em um cofre. Curiosa, decidi ir conhecê-lo no sábado após esta entrevista. Cheguei lá e restavam poucos pacotes, todos do sabor baunilha, os demais estavam esgotados. Matheus me recebeu com um abraço apertado e sincero que transbordava amor. Foi um dos abraços mais gostosos que recebi na vida. Tão gostoso quanto as bolachinhas, que tive o prazer de degustar. São deliciosas, têm sabor de infância, de casa de vó. Provavelmente, graças ao amor e à dedicação do Matheus no preparo. Recomendo muito!

Onde comprar?

As entregas ocorrem em São Paulo e eles aceitam diversas formas de pagamento.

São seis sabores: baunilha, canela, laranja, limão, goiabada e coco.

Conheça mais as Bolachinhas do Matheus neste link ou visite o Café Chefs Especiais aos sábados.

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Visita deliciosa ao café Chefs Especiais. o Matheus é o do meio.

Desperdício de Alimentos: números impressionantes para você mudar agora

É possível juntar 1 milhão de reais só reduzindo o desperdício em casa.

No mundo todo, 1,3 bilhão de toneladas de alimentos são desperdiçadas por ano. Enquanto isso,  quase 1 bilhão de pessoas no planeta sofrem de desnutrição crônica e 124 milhões necessitaram de assistência alimentar de emergência em 2017, segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês). No Brasil não há dados concretos do quanto é jogado fora, de acordo com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). A entidade tem uma página para tratar só deste assunto e  afirma que a falta de coleta de informações precisas de maneira padronizada impossibilita qualquer estimativa exata sobre o desperdício de alimentos no país. Entretanto, o número deve ser assustador se levarmos em conta a extensão do território nacional e as inúmeras deficiências estruturais na colheita, no armazenamento e transporte. O que se sabe, segundo o Instituto Akatu, é que cada brasileiro gera aproximadamente um quilo de resíduos sólidos por dia, do qual mais da metade é orgânica, como restos de comida. Já a FAO estima que seja de até 40% o desperdício no Brasil no caminho entre a colheita e o consumidor. Os cálculos já realizados por diversas entidades mostram que a quantidade no país é de dezenas de toneladas.

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Quase 1 bilhão de pessoas no mundo não tem acesso à alimentação básica.

Todos esses números servem para pensar se a fome no mundo é causada por uma produção insuficiente de alimentos ou se é por má distribuição. A FAO reforça que o motivo é a segunda opção. Se você ainda não se convenceu sobre a importância de mudar os hábitos, talvez mude de ideia ao sentir no bolso. O Instituto Akatu publicou em dezembro de 2017 um cálculo que mostra que é possível economizar 1 milhão de reais se reduzir o desperdício. O raciocínio é: uma família que gasta, em média, R$ 650,00 por mês em comida e desperdiça quase um terço disso, “joga fora” mais de R$ 180 por mês, ou 5% do seu orçamento mensal. Se o desperdício da mesma família caísse pela metade, seriam economizados R$ 91,20 por mês, ou quase R$ 1.095 ao ano. Se esse dinheiro fosse depositado mensalmente em uma poupança com rendimento anual de 6%, ao final de 70 anos renderia mais de um milhão de reais. Impressionante, não?

Diversas campanhas surgem pelo país a fim de minimizar o problema, uma delas é a Campanha Prato Limpo, em São Paulo. Criada pela LC Restaurantes, empresa de refeições coletivas que atende restaurantes corporativos, os organizadores afirmam já terem conseguido diminuir cerca de 60% da quantidade de alimentos que vai para a lixeira desde a sua criação, em 2011. A medida é simples: cada cliente, no caso a empresa contratante que serve as refeições aos funcionários, deve medir o que sobra da produção e nos pratos. Se os valores não atingirem a meta de 15 gramas por refeição e 30 por produção, a LC implanta no local a Campanha Prato Limpo, em que fiscalizam de perto.  Os cozinheiros têm ainda workshops sobre preparações mais conscientes, aproveitando cada ingrediente ao máximo. Considerando que só a LC processa 44 toneladas de alimentos por dia e serve em média 3.200.000 refeições por mês, podemos ter idéia da quantidade de comida que é poupada.

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Workshops mostram como cozinhar de maneira consciente.


Há também supermercados que vendem produtos próximos da data vencimento com descontos que chegam, muitas vezes, a mais de 50%. Eu mesma costumo conferir o que há, e sempre tem alguns achados especiais. No Rio de Janeiro, por exemplo, foi sancionada em 2016 uma lei estadual que determina que “alimentos feios” sejam vendidos com pelo menos 30% de desconto. Neste quesito se encaixam frutas, verduras e legumes que, embora não tenham mais apelo comercial por estarem machucados, por exemplo, ainda são seguros para consumo.

Não só empresas e orgãos públicos se mobilizam, mas também pessoas simples, gente como a gente. O aplicativo Olio foi criado para ser  uma nova plataforma de compartilhamento. Ele permite que pessoas anunciem seus “restos” para quem está na região e marquem a entrega. Pode ser desde o pedaço que sobrou da lasanha do dia anterior até aquela barra de chocolate que você comprou e se arrependeu por causa da dieta. Ele é bastante usado em países como Suécia, Estados Unidos e Reino Unido. Se você der sorte, pode ter um chef pertinho da sua casa precisando dar um destino para aquele prato maravilhoso. O aplicativo é gratuito e está disponível no Google Play Store e na App Store, no entanto, ainda não há versão em português, apenas em inglês.

Tudo isso sem contar os Bancos de Alimentos e diversas outras campanhas país afora pela erradicação da fome. Já existe a meta global assinada por diversos países para reduzir 50% do desperdício até 2030, mas esse é o tipo de questão que realmente depende de cada um. Há diversos cursos gratuitos por aí, além de receitas na internet que ensinam como preparar um delicioso bolo de casca de banana, por exemplo. As soluções existem.

Ouça a versão de rádio desta matéria.

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